Arte e Arquitetura Grega
A tradição clássica acabou adquirindo uma autoridade exclusiva na cultura ocidental até pelo menos o século XVIII, e em vários períodos históricos posteriores a ela se fez presente de várias formas (os exemplos mais claros e conhecidos por nós são o Renascimento e o Neoclássico).
Esta autoridade exclusiva da tradição clássica, segundo ALAN COLQUHOUN, foi sendo perdida a partir do século XVIII, por várias razões dentre elas as próprias transformações que ocorriam na sociedade industrial nascente, que iniciou um processo de crise epistemológica no qual a própria arquitetura se inseriu. Assim, os arquitetos começaram a procurar paradigmas alternativos para as concepções arquitetônicas contemporâneas.
Conhecer a antiguidade foi e continua a ser importante hoje, não para ser copiada, mas talvez para buscar suas essências e com elas aprender lições. Além disso, a noção atual ou contemporânea (aquilo que se convencionou chamar de pós-moderno) traz em algumas vertentes uma postura historicista, contrapondo-se ao anti-historicismo das vanguardas do século XX e dos modernos. Assim, não se consegue compreender plenamente nem em parte certos conteúdos e debates atuais acerca da arquitetura contemporânea que procura resgatar a linguagem clássica, revalorizando seu potencial simbólico, expressivo e talvez até – como quis Michael Graves – figurativo, sem o necessário conhecimento e compreensão do que representou a cultura arquitetônica clássica, suas características e valores históricos.
Por mais leigos que possamos ser, qualquer sujeito do ocidente tem uma apreciação mais ou menos intuitiva da cultura grega, no caso da arquitetura, tamanho o valor cultural e histórico que atribuímos à cultura clássica, e o quanto ela foi revirada, resgatada, negada. Há, portanto uma relação sempre presente de seu legado em nossa memória.
Daquilo que nos interessa da cultura Grega podemos perceber ou dividir o período em duas grandes fases: Período Pré-Helênico ou clássico (século VIII a V antes de Cristo) e período Helênico que (século V a I a.C).
O período clássico ou pré-helênico:
Uma das questões mais conhecidas da arquitetura grega é a questão dos estilos (e também o mais delicado dos assuntos): eles foram usados inúmeras vezes. Inúmeras interpretações acerca de seus significados, como por exemplo a masculinidade e o caráter abstrato do dórico e a feminilidade e expressividade do jônico exaltadas e levadas às últimas conseqüência no coríntio. Muitas vezes tais interpretações colocam as ordens, um pouco forçosamente, como sucedâneos no tempo – uma leitura tipicamente análoga a uma visão biológica conforme a expressa Alan Colquhoun – e não como simultâneos, convivendo entre si na mesma época. Foram e são até hoje admirados, copiados e imitados.
Mas qual a sua verdadeira importância?
De um lado revelam facetas do desenvolvimento tecnológico (técnicas de emprego do ferro no trabalho da pedra), isto é, o avanço de tais técnicas permitiram o desenvolvimento da escultura e da arquitetura em direções diferentes. O estudo formal do desenvolvimento da cultura grega revela esta dimensão tecnológica, que lhe dá suporte, mas não foi motivado por ela. Não foi ela o carro-chefe deste desenvolvimento. A tecnologia foi antes, sobretudo na cultura grega, utilizada seguindo princípios estéticos, artísticos sendo aquilo que dava suporte e não o contrário, ou seja, a busca pela expressividade artística não foi submetida à técnica, mas esta àquela.
A grande invenção grega no plano social, segundo Spiro Kostof (Historia de la Arquitectura) foi o advento da polis, e sua correspondente urbanidade, característica de uma sociedade que valorizava a vida pública. A cidade-estado impulsionou o desenvolvimento cultural grego na antiguidade. Assim, para falar em arquitetura e urbanismo, impulsionaram o avanço grego nas estruturas arquitetônicas que davam riqueza e variedade à polis como os anfiteatros, a palestra, os ódeons, as ágoras, ginásios, estádios e hipódromos como fruto de um longo percurso histórico que começou no período clássico e terminou no helenístico, que a fez, na época, tão diferente dos povos anteriores, das outras culturas que, via de regra restringiram suas concepções espaciais apenas às arquiteturas militar, religiosa e residencial.
Os gregos e também, posteriormente, os romanos, foram responsáveis pelo desenvolvimento de espaços próprios à manifestação da cidadania e dos afazeres cotidianos: a ágora grega definia-se assim como um grande espaço livre público destinado à realização de assembléias, rodeada por templos, mercados, e edifícios públicos. O espaço da ágora tornara-se um símbolo da nova visão de mundo que incluía o respeito aos interesses comuns e incentivava o debate entre cidadãos, ao invés da antiga ordem despótica das civilizações anteriores: a democracia grega. Os rituais populares, democráticos, tomavam lugar em espaços construídos para tal, em especial a acrópole. Cada lugar possuía a sua própria natureza e posteriormente a cultura romana cunhará tais idéias sob o termo genius locci.
Templos
Dentro desta cultura democrática e urbana que se desenvolve sob domínio do território grego uma das mais importantes construções arquitetônicas, a que tinha um valor cultural mais elevado: os templos.
O significado primordial dos templos gregos está relacionado com o fato de que estes serviam, simultaneamente, como símbolo de uma ampla união dos gregos – união baseada numa religião comum, uma língua comum e a crença de uma ascendência comum – e como símbolo da especial relação de cada cidade com um dos imortais: Samos de Hera, Efeso com Artemisa, Corinto com Apolo, Atenas com Atenea. Tinha ao mesmo tempo uma validez tanto universal como particular, pois distinguiam os gregos dos bárbaros e uma cidade grega das outras. A mensagem clássica dos templos aos seus destinatários era que eles podiam utilizar-se de uma mesma arquitetura e iconografia religiosa para fazer uma manifestação muito individual. A mensagem grega dos templos para o mundo exterior era a mensagem democrática de um povo livre, não submetido a nenhum rei nem sacerdote.
Como cada cidade-estado tinha uma autonomia frente às demais, é impossível considerar a existência de uma homogeneidade formal dos templos em cada estilo. Basicamente são conhecidos dois grandes estilos arquitetônicos, no período clássico ou pré-helenístico. O Dórico e o Jônico.
Dórico e Jônico
Sobre as ordens prefiro então as considerações de Kostof, segundo as quais, a ordem dórica não teria derivado, segundo uma visão mecanicista, da tradução gradual de formas entalhadas na madeira. A ordem dórica buscava expressar alguns dos efeitos da madeira, detalhando-os, mais do que petrificando-os. Havia nestas ordens algo em comum e que se diferenciava de outros povos como os egípcios: assumiam como base de sua proporcionalidade a escala do homem, diferente dos egípcios. Embora monumentais – afinal um templo não representa o mesmo que uma casa – eles não evocam um gigantismo como os egípcios.
Outro aspecto importante e recentemente revisto e redescoberto é o cromatismo inerente à cultura grega, ao contrário de uma suposta candura repetida no renascimento ou no neoclássico quando da descoberta, em função das escavações ocorridas naquele período, da cidade de Pompéia vítimas de um vulcão.
Enquanto estrutura urbana a Ágora começa a se desenvolver já no período clássico, atingindo no período helênico uma importância ainda maior, na malha urbana. Ela simbolizava, ao lado do templo, como já comentado, um dos símbolos da nova visão de mundo grega que incluía o respeito aos interesses comuns e incentivava o debate entre cidadãos, a democracia grega.
Helenismo e o fim da polis clássica
Como anunciamos, o período Helenístico vigorou por aproximadamente 500 anos e inicia-se no século V a.C. Foi a era do apogeu da polis, da busca da formação da unidade social e administrativa da confederação grega. Esta vigorosa instituição, a polis, havia começado a extrapolar as fronteiras do território grego, mais próximo a região litorânea do mediterrâneo, incluindo agora áreas onde o padrão usual de aglomeração espacial havia sido o de fortificações situadas em colinas. Expandiam-se assim as fronteiras do urbanismo grego.
No entanto, a guerra do Peloponeso, entre Esparta e Atenas, no final do século V a. C, produziu uma série de problemas para as polis. A elevação da natalidade pós-guerra agravou a crise e as dificuldades econômicas de algumas polis, com grande nível de desemprego, que forçava os jovens a encontrar, como as poucas alternativas que restavam, a carreira militar. No século IV houve um chamado à unidade das cidades gregas numa confederação forte que poderia abrir-se em direção a novas fronteiras. A escolha óbvia desta expansão territorial, sob a lógica e o esforço de unificação, era a Ásia menor, território Persa que também controlava as cidades gregas mais orientais. Responder as agressões do passado seria um poderoso incentivo para a unidade, uma causa sagrada. E a força militar que pôde impulsionar esta unidade pan-helênica foi a região da Macedônia que havia, naquele momento em meados do século IV, conquistado grande proeminência sob o governo de Filipo II, tendo à frente da batalha, seu filho Alexandre o Grande.
A contrapartida desta expansão bem sucedida foi uma relativa perda ou diminuição da autonomia das cidades-estado. Esta conquista de Alexandre marcou o final da pólis clássica.
Por conta da expansão territorial, os domínios gregos não eram mais exclusivos da raça grega, englobavam agora persas e egípcios. Os gregos viviam entre estrangeiros, o que atenuava e tornava sem sentido a dualidade que caracterizava a civilização grega anterior entre gregos e bárbaros (devemos nos lembrar que isto era marcante no plano cultural, pois os gregos e sua arquitetura pretendiam diferenciar o mundo grego do mundo bárbaro usando o dórico e o jônico, afirmando-se perante eles). Além disso, a relação entre humanos e imortais da mitologia grega anterior do Olimpo, perdeu seu poder quando Alexandre, um mero mortal, foi deificado antes mesmo de morrer. Com este poder e reconhecimento para um mortal, os valores clássicos que se baseavam no respeito ao indivíduo dentro da estrutura da cidade-estado, aquela grandeza que o indivíduo possuía dentro dos limites da cidade foi destruída no período que se seguiu a Alexandre. A esfera de ação do governo, portanto, se expandiu muito.
A rigidez da cultura clássica esmaecia. A escultura passa a assumir uma forma mais solta e se fez propensa a teatralidade e ao vigoroso emaranhamento. A cultura helênica transforma a exclusiva e por vezes inflexível cultura anterior, a clássica, em algo mais flexível, permissivo e compassivo.
Relação entre arte e ética
Se recorrermos à literatura grega para melhor explicar este processo podemos perceber melhor através do importante exemplo na figura do herói. O herói clássico é, sobretudo, ético. Ethos, segundo Aristóteles representa a firmeza do homem que revela sua escolha, que tipo de escolha faz ou evita em circunstâncias nas quais a escolha não é óbvia. Na arte clássica, frequentemente se toma ou se mostra o herói no momento de decisão, sem haver resolvido ainda seu dilema. Nessa meditação sobre o tema é onde revela sua humanidade. Nos identificamos com ele porque identificamo-nos com sua postura entre dois extremos opostos, porque sua moralidade, como a nossa é existencial.
O herói helenístico, por sua vez, não é instrumento da escolha, mas sua vítima. Sua normalidade é melodramática. Ele não está colocado diante de duas alternativas a escolher, senão abandonado frente a uma delas. Os artistas representam o herói vitorioso, gabando-se de sua vitória ou bem lastimando-se quando da derrota, quando vencido. Deste modo não permite ao expectador identificar-se com a luta, envolver-se com ela. A imagem é posterior ao efeito. A mensagem não é implícita, senão escancarada, em alto em bom som. Nos vemos forçados à simpatia, e não sentimos a simpatia, diferença que significa sentimento “por” e não “com”.
Falando agora de arquitetura, a semente da arquitetura helenística se remonta também ao século V. É claro que o esquema proposto da era Alexandrina como divisor de períodos, não promoveu uma ruptura brusca no campo artístico, e os processos que levaram a uma mudança no caráter da arquitetura helenística em relação à clássica começaram antes mesmo de Alexandre, em Atenas de Péricles, o lugar por excelência do classicismo. Também não houve uma arquitetura ou mesmo uma arte coesa num território tão vasto.
Na cidade de Atenas a monumentalidade axial da rampa de acesso à Acrópole e da vista acidental do Parthenon pressagia um dos temas centrais da cultura helenística: sua predileção por efeitos escarpados (íngremes) e a utilização dramática de escadas. A utilização de colunas da forma como a cultura helenística a usou, criando uma articulação de superfícies que deixou influências e admiração até a época moderna.
O Parthenon antecipa ao menos outro aspecto importante: a atenção que dedica aos componentes interiores de uma forma templária. A realidade pública do templo dórico reside em sua colunata exterior e em sua superestrutura: a cela era um espaço interior de um uso muito limitado, um continente bastante simples para a imagem de culto. Duas filas de colunas em um ou dois pisos dividiam o espaço em três naves de tamanho similar, das quais a central formava um túnel até a estátua. No entanto, no Partenon, a colocação do friso das Panateneas no peristilo, ao largo dos muros exteriores da cela, já incita o espectador a penetrar pela trama de colunas. No interior as duas filas de colunas são deslocadas em relação aos muros laterais da cela, reduzindo os espaços laterais a naves estreitas e engrandecendo o efeito da nave central. Além disso, se coloca a colunata ao redor e por trás da estátua de Atenas Parthenos, enquadrando-a plenamente por três lados.
Ordem Coríntia
A primeira aparição da ordem coríntia foi no templo de Apolo em Bassae. Iniciado ao mesmo tempo em que o Partenon e terminou depois do século V, em início do século IV. Este curioso templo foi erguido isolado da polis, solitário, longe do santuário panhelenico de Olímpia. Feito com o monótono calcáreo cinza do lugar, parecia muito pobre em comparação com o luminoso mármore do Partenón, se não fosse pelo fato de que neste lugar remoto e estrondoso o aspecto arcaico e a execução violenta, quase inábil ou estática da escultura do templo parece eloquentemente apropriada e pode muito bem ter sido intencional. Há nele uma suspeita de manipulação calculada das convenções estabelecidas da arquitetura de templos em favor dos efeitos expressivos.
Vista do Templo de Apolo em Bessae - Fonte: Kostof.
Planta do Templo de Apolo em Bessae - Fonte: Kostof.
Para começar, uma orientação da implantação do templo no sentido norte-sul pouco comum. Porque? A suposição de Kostof é a de que a implantação norte-sul foi decisiva para o interior do templo: Uma porta aberta no muro leste permitia que a luz da manhã entrasse diretamente na cela onde pode ter estado a estátua de culto: um tributo apropriado ao deus da luz que havia triunfado anteriormente das forças obscuras da terra. No interior havia uma única e extraordinária coluna. É o exemplo mais antigo sobrevivente de uma nova ordem – a coríntia (interessante a história da invenção da ordem, segundo vitruvius inspirada nas folhas de acanto, uma planta muito usada para usos funerários no século V).
A ordem coríntia nunca utilizou um entablamento próprio, ou seja, as bases ou infraestrutura próprias, mas aproveitava, indistintamente os temas dórico e jônico. Percebe-se aqui o deslocamento do interesse, do olhar artístico helênico. O luxuoso capitel vegetal é antitético com o caráter tectônico da coluna, sua função de suportar peso. Os efeitos pictóricos da escultura de seu capitel captam de forma acentuada as sombras que acabam por confundir a relação entre o fuste e a arquitrave. A referência simbólica evocada por estes artifícios remetem ao mito apolíneo do dilema ético e moral da traição. De forma breve lembremos: quando Leto foi fecundada por Zeus, sua esposa eternamente ciumenta, Hera, proibiu a todos, divinos e humanos, de dar asilo a jovem em seu parto. Até que Zeus disponibilizou uma ilha – a ilha de Delos – para que Letos, depois de grande e desesperada busca se apoiou contra uma árvore para dar a luz a Apolo. Em comemoração, havia árvores de bronze no exterior dos templos de Apolo em Delfos, por exemplo. Em Bassae ao que tudo indica, a árvore foi conduzida ao interior, se incorporou à arquitetura da cela e se converteu no ponto focal de seu eixo. Complementa-se assim a dissolução do ethos clássico com o friso escultórico dentro da cela, pela primeira vez. Sua maneira de narrar o mito apolíneo prefigura a tendência à teatralidade, ao drama vigorosamente representado e a atração controlada do espectador. Isto é, a imagem apolínea é retratada não através da escolha do momento do dilema ético e moral da traição, mas sim em seu desfecho, o parto de Apolo. E mais, voltando ao friso, o tema do combate retratado nele não escolher o momento do começo ou do meio da batalha, mas do meio par ao fim, quando começam a cair os corpos, retratam a agitação dos corpos, dos ventos ondulando as roupas, as expressões apresentando várias emoções, usam-se os jogos de sombras. (Alguns mais desatentos poderiam confundir alguns elementos desta breve descrição como uma descrição típica da arte barroca, quando na verdade se trata da cultura helênica).
Ao longo dos 100 anos posteriores estas proposições de Bassae começam a difundir-se em outras regiões da Grécia. As ordens, como a jônica, por exemplo, passarão por reajustes no século IV e III, reformando suas proporções, tornando-as mais esbeltas. Isto só comprova a simultaneidade dos estilos e não a ordem sucessional do dórico, jônico e coríntio. O Corintio, quando surgiu, remodelou as duas outras ordens.
Para finalizar a questão da arquitetura helenística, para não restringir a apreciação da arquitetura grega a uma arquitetura de templos, durante o império helenístico, com sua urbanidade tão característica e refinada, permitiu o avanço grego nas estruturas arquitetônicas que davam riqueza e variedade à polis, os correspondentes espaciais de uma vida rica de ações e de uma sociedade tão socialmente diversificada, era chegada a maturidade espacial da cidade, com uma complexa e especializada estrutura urbana: criaram-se os anfiteatros, a palestra, os ódeons, os ginásios, estádios e hipódromos (a maior parte deles são do período helenístico).
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